O impacto da pandemia na atuação da mulher no mercado de trabalho

É fato que a pandemia transformou cenários ao redor de todo o mundo e um deles foi a atuação da mulher no mercado de trabalho. Entenda.
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Mulher um degrau abaixo de homem em escada

Desde 2012, a participação da mulher no mercado de trabalho estava crescendo: as mulheres ocupavam 53,3% das vagas no terceiro trimestre de 2019. Em 2020, o número foi para 45,8%, uma queda de 14%, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A regressão levou os números ao patamar da década de 1990. Isso significa que a evolução feminina no mercado de trabalho conquistada em 30 anos se perdeu em um ano de pandemia.

O questionamento que fica é: quando conseguiremos recuperar esse atraso?

Nota-se que a crise que estamos vivendo afeta principalmente as mulheres, por isso os especialistas chamam esse cenário de “Shecession”, uma recessão feminina.

O que já era um problema ficou em evidência com a pandemia. De uma hora para outras, as mulheres se viram isoladas em casa tendo que manter a produtividade no trabalho, cuidar dos filhos também isolados, cozinhar para todos, manter a ordem da casa, enfim.

Com o tempo, a jornada tripla (trabalho, casa e filhos) se tornou insustentável e, por conta da sobrecarga, muitas mulheres se viram obrigadas a abrir mão de suas carreiras.

Vamos entender isso ao longo deste artigo.

Mulher no mercado de trabalho vs. maternidade e afazeres domésticos

Dados da PNAD Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que 31,2% das mulheres de 15 a 29 anos não trabalhavam e não estudavam no final de 2020, apesar de estarem no auge da sua força produtiva. Em relação aos homens, apenas 19,7% estavam na mesma situação.

No Brasil, ainda há o agravante da desigualdade social e racial: 67,5% das jovens que não estudam nem trabalham são negras, pardas ou indígenas.

Inclusive, vale reforçar aqui que o termo “nem-nem”, ainda muito encontrado em matérias jornalísticas, por exemplo, é pejorativo e não deve ser utilizado.

Existe uma conotação de que pessoas nessa situação estão assim porque querem, quando, na verdade existe um cenário muito mais complexo que se desenha.

A mesma pesquisa mostra que, para 38% das mulheres fora do mercado, os motivos são filhos ou afazeres domésticos. A mesma justificativa foi usada por apenas 3% dos homens.

Por isso, é preciso muito cuidado quando vemos os dados sobre mulheres que não estão nem estudando nem trabalhando. Há um julgamento quase intrínseco à sociedade de que elas não estão fazendo nada, estão “paradas”, quando a realidade é bem diferente.

Muitas vezes, essas mulheres estão responsáveis pelos trabalhos domésticos ou pelo cuidado de crianças ou idosos, tarefas também chamadas de “economia do cuidado”.

Licença-paternidade: uma questão

Existe outro ponto que ainda precisa ser muito debatido: a licença-paternidade.

Hoje, por lei, o homem pode ficar até cinco dias afastado do trabalho. Há uma necessidade urgente de se rever isso, pois a lei é uma herança de uma cultura que impõe apenas sobre a mulher a responsabilidade pela criação dos filhos.

Entretanto, a maternidade, apesar de crucial para o desenvolvimento de uma sociedade, ainda é vista como um impedimento para o trabalho das mulheres. As responsabilidades sempre recaem sobre elas e, muitas vezes, elas precisam escolher entre os filhos e a carreira.

O fato de pais terem mais tempo de licença para poderem cuidar dos filhos contribui não apenas para a dinâmica do lar, mas também para a mudança na mentalidade sobre a quem de fato cabe a responsabilidade pela educação dos filhos.

Segundo dados do IBGE, as mulheres gastam, em média, 21,4 horas por semana com afazeres domésticos ou cuidado de outras pessoas, enquanto os homens gastam 11 horas. A consequência disso é a redução da ocupação profissional das mulheres ou o direcionamento para posições menos remuneradas.

A revisão do tempo de licença dos homens é uma questão não apenas de divisão de tarefas, mas também de redução da carga física e mental para mulheres, assim como de conquistas de oportunidades mais equiparadas no mercado de trabalho.

Desafios enfrentados pelas mulheres em relação ao mercado de trabalho e estudos

Existem diversas adversidades que colocam mulheres na situação de não trabalhar e não estudar, como:

  • Falta de perspectiva e sonhos;
  • Ausência de modelos e referências;
  • Poucas oportunidades;
  • Exclusão social;
  • Discriminação;
  • Desigualdade salarial;
  • Questões socioeconômicas.

Além disso, há ainda problemas mais estruturais, como a insuficiência de creches e instituições públicas para o cuidado de idosos, assim como a desigualdade salarial e a dificuldade de acesso a cargos melhores e bem remunerados.

Dados do IBGE mostram que as mulheres recebem, em média, 20,5% menos do que os homens. Porém, apesar de serem mais instruídas (ou seja, terem mais anos de estudo), as mulheres ainda ocupam apenas 37,4% dos cargos gerenciais, de acordo com outra pesquisa realizada pelo IBGE.

Quando há a necessidade de um dos pais deixarem de trabalhar para cuidar dos filhos, normalmente é a mulher que sacrifica a carreira, pois o homem tem uma remuneração melhor. Na pandemia, isso se agravou, principalmente por conta do fechamento de creches e escolas.

O desafio de ter crianças em casa é real, mas isso não deve ser um fator impeditivo para as mulheres construírem uma carreira sólida e também realizarem o sonho de serem mães. Contudo, infelizmente isso acaba tirando muitas mulheres do mercado.

Isso não quer dizer que ter filhos é um fator negativo, mas sim que existe uma demanda urgente de mais creches, principalmente públicas, e mais oportunidades de inserção de mulheres que são mães no mercado de trabalho.

Desigualdade de gênero é um obstáculo histórico

É sempre relevante explicar que a desigualdade de gênero no Brasil é uma construção histórica e social.

Para se ter uma ideia, as mulheres conquistaram o direito de voto apenas em 1932, enquanto na década de 1960 as mulheres casadas precisavam de autorização do marido para trabalhar.

Apesar de a Constituição Federal de 1988 ter mudado as leis para garantir uma maior igualdade entre homens e mulheres, ainda há problemas muito enraizados na nossa sociedade.

A cultura fomenta que o homem deve ser o provedor do lar, enquanto a mulher precisa se dedicar aos cuidados. Sem contar a visão completamente deturpada de que mulheres mães não conseguem ser, simultaneamente, boas mães e boas funcionárias.

Quando existem oportunidades iguais para todos, e equilíbrio entre trabalho, deveres domésticos e cuidados com filhos e idosos, esse cenário se torna mais saudável e sustentável.

O que precisa mudar?

Se queremos reduzir a pobreza, o acesso das mulheres ao mercado de trabalho é determinante. Enquanto as mulheres ficarem fora desse cenário ou apenas puderem trabalhar em tempo parcial, será mais difícil alcançar patamares mais elevados de renda.

Para reinserir as mulheres no mercado de trabalho, as empresas precisam ser mais inclusivas e colocar em prática o que pregam a respeito da igualdade de gênero.

Políticas de contratação de grávidas, mães e de mulheres em cargos de liderança faz toda a diferença. As mulheres precisam poder sonhar em ocupar as cadeiras mais altas de uma organização sem temer perder o que foi conquistado por terem um filho.

Também é preciso investir na criação de espaços nos escritórios para as mães poderem deixar seus filhos e até mesmo amamentar com privacidade.

Além disso, é fundamental oferecer benefícios como auxílio-creche, visto que existe uma carência por vagas em creches públicas e a saída é recorrer às opções privadas.

A continuidade do trabalho remoto ou a adoção do trabalho híbrido também são opções, desde que as regras sejam melhor definidas. De nada adianta oferecer essas possibilidades se o horário comercial não é respeitado ou se não há estrutura física para a pessoa trabalhar em casa, por exemplo.

E, claro, o aumento da licença-paternidade para se igualar à licença-maternidade, podendo até mesmo se tornar o que é chamado “licença-parental”.

A mudança no termo tira da mulher a responsabilidade exclusiva pelos cuidados com o recém-nascido e permite uma maior participação dos pais na criação dos filhos.

Este artigo é apenas um pequeno recorte do cenário da mulher no mercado de trabalho, mas é importante para entender qual é a realidade vigente, principalmente após a pandemia.

Se você gostou deste conteúdo, vale a pena ler também o artigo “Taxa rosa: qual é o preço de ser mulher no Brasil?”.

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Ana Gabriela Graças
Ana Gabriela Graças
Formada em Jornalismo, acredita no potencial de conteúdos para transformar a relação do brasileiro trabalhador com suas finanças.

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